quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 16



Passei na grande porta de madeira com outros turistas. Uma pessoa da catedral passa a mão na cabeça, em silêncio, para lembrar-me que ainda estou de gorro. 

Tiro o gorro e elevo os olhos, não acredito que estou ali. Tudo ali é grande. Teto muito, muito alto, enormes colunas, lindos e imensos vitrais. Tem gente indo e vindo, mas não reparo em ninguém, só no prédio. 

Sou atraída pelo altar. Ando automaticamente naquela direção e imagino monges rezando, reis sendo coroados, pessoas se refugiando durante as batalhas, nas muitas guerras pelas quais a França passou. Esse prédio tem uma aura, uma vida que exala das suas paredes, há uma energia ali e é poderosa.

Aos poucos, vou me recompondo. Consigo admirar a construção, tomar noção da grandiosidade da catedral. Respiro fundo. A agitação do caminho até aqui já passou. Encontro várias imagens de santos dispostas ao longo das laterais, cada uma com um suporte de pequenas velas para quem quiser comprar por alguns centavos de euro. Pego a minha pequenininha e acendo para Santa Terezinha. Lembro das histórias contadas por minha mãe. Lembro da proteção à Piaf. Acendo a vela em outra e deixo meu coração falar. Não faço uma oração, não penso em palavras. Só sinto. Tenho certeza que ela consegue me alcançar lá no fundo. Não corro o risco de não expressar bem o que gostaria ou o que passo, só abro a porta para que ela sinta comigo. Santa Tereza de Lisieux, cuida de mim.
Depois do meu encontro com Santa Tereza, me acomodo em um banco. Apesar de tudo, estou vivendo dias muito especiais. É maravilhoso estar aqui. Sempre sonhei, desde menina, com o dia em que estaria aqui. Consigo enxergar o lado bom, a oportunidade de conhecer tudo isso, de rezar dentro deste templo secular, de conhecer pessoas novas e viver ótimas experiências. 

Ainda sinto uma pitada de vergonha pela história que vou contar quando voltar para casa, mas vou conta-la a pessoas que me querem bem e que estarão lá para cuidar de mim, quando eu chegar. Isso também é muito especial. O medo me deu uma trégua. Acho que ficou na calçada, assustado, desde que eu vi o paredão luminoso da fachada. Agora eu sinto muito melhor. 

Eu ainda tenho três dias de Paris e muita coisa para conhecer, viver e descobrir. Mãos à obra, Alice.

Despeço-me daquele salão mágico, com a certeza de que não é a última vez que passo por ali. Alcanço a calçada e recebo o frio de cabeça erguida, sem estremecer. A cidade já está mergulhada na noite e está linda. As luminárias nas pontes dão um brilho todo especial, conferindo luz ao charme habitual de Paris. Mal posso acreditar na minha sorte. É uma visão única, de verdade.

Pego o celular e escrevo a primeira mensagem espontânea para meu pai, desde que cheguei. “Passei por Notre Dame e lembrei de vocês. Passeio na cidade à noite e é maravilhosa! Saudades enormes.”

Procuro sem pressa uma estação de metrô para voltar para o hotel. O frio não me intimida mais, é meu companheiro.

Um comentário:

  1. "Non, rien de rien,
    non, je ne regrette rien.
    Ni le bien qu'on m'a fait,
    ni le mal, tout ça m'est bien égal"

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