sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 23



Acordei com o céu ainda escuro, apesar de já ser quase 6h da manhã. O quarto é bem pequeno e há uma guarda-roupas estranho, uma cadeira com roupas amontoadas e a janela também é bem menor do que eu me lembro. Na verdade, eu não me lembro daquela janela, porque estou vendo pela primeira vez aquele lugar. Estou no apartamento de Tulio.

Estou sozinha na cama. Aproveito para me arrumar, antes mesmo de saber onde ele está. Verifico que ainda estou usando minha lingerie. Ainda bem que coloquei uma bem sensual, das que havia guardado para surpreender Jhonny. Que reviravolta maravilhosa! Visto logo o vestido. Ufa. Já estou mais segura. À luz do dia, tudo pode parecer bem diferente. Confiro no espelho do quarto e limpo com os dedos algum restinho de maquiagem dos olhos. Mas me surpreendo com o reflexo. Eu estou muito linda. Nunca me vi assim. Estou sexy, bonita. Passo a mão nos cabelos, coloco os fios soltos no lugar. Estou deslumbrantemente linda.

Dou a volta na cama, olho pela janela e me lembro de quando chegamos à calçada. Lembro de como ele me puxou escada acima pela mão e de como me prendeu à parede do quarto com seu corpo e sussurrou no meu ouvido que me queria. Sinto o arrepio correr pelo meu corpo e estremeço com o prazer de ter vivido aquele momento.

 Não tenho mais medo de encontrar com ele à luz da manhã. Foi uma noite memorável e eu nem sei se quero repeti-la, porque ela foi deliciosa, e por isso mesmo única. Quero guardar essa lembrança para sempre, perfeita como ela é hoje.

Ele surge no corredor, também já está vestido, acabou de sair do banho e se surpreende por me ver de pé. Pergunta se eu quero tomar um banho, mas eu recuso, não consigo relaxar tanto assim.

- Eu tenho que ir para a boulangerie, vamos juntos? Podemos parar e tomar café no caminho.

- Eu acho que vou dar uma volta por aqui, conhecer o entorno. Estou com cara de quem está fora desde ontem à noite?

- Você está linda.

É, eu sei.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 22



Próximo ao hotel há um pequeno café, onde, ao lado da vitrine de doces, há grandes cestos com pães lindos. Tulio cumprimenta todos pelo nome e me sinto mais próxima do Brasil com um calor humano que não estou acostumada a ver nas bandas de cá. Ele me apresenta como sua amiga brasileira, título que causa comoção no estabelecimento. Penso em todas as oportunidades que deixei passar em vez de usar minha nacionalidade para conseguir alguma simpatia em alguns momentos.

Escolhemos três tipos de pão e seguimos na direção de um mercado, tão pequeno quanto a padaria, mas rico em variedade. Nunca vi tantos molhos, pastas, queijos, amêndoas. Tudo lindo, colorido, sofisticado. Tulio não me deixa pagar nada e diz que é um presente de boas vindas. Aceito ser mimada, é só por essa noite. Ele também escolhe o vinho e pede pequenas taças emprestadas ao dono do mercado que as entrega de bom grado. 

Saímos de lá sem deixar a conversa morrer nem por um instante. Conseguimos contornar as dificuldades com a língua e a comunicação flui bem. Nunca fui boa em orientação e não percebo o caminho até me ver em frente à Torre iluminada.

- Eu tinha escolhido outro lugar para o nosso piquenique, mas como você encantou-se com ela durante o dia, achei que gostaria de vê-la à noite.

Acertou em cheio.

Tudo está ótimo, o vinho é bem diferente de tudo que já tomei, mas é muito bom. Deixo o álcool agir e começo a relaxar. 

Apesar do frio, tem outras pessoas fazendo o mesmo. Alguns grupinhos aqui e ali sobre a grama. 

Conversamos muito. Ouvi histórias fantásticas sobre a infância dele na Toscana e começo a me perguntar se ele não saiu de algum filme que eu assisti e não é só fruto da minha imaginação. Eu ouço sobre as refeições feitas à sombra das árvores e regadas a vinho produzido pela sua família ali mesmo. Achei que isso só existia em Hollywood. Pelo jeito, não.

Conto sobre a minha infância nas ruas do Recife e junto ao mar em Maceió. Conto sobre as piscinas naturais, sobre a convivência nem sempre pacífica com a fauna marinha. Conto sobre o fim de tarde nas areias das praias e sobre o sabor do coco e da manga, quando colhida na hora.

Conversamos olhando nos olhos, sorrindo, esperando. Não há disfarces, estamos paquerando. Ele seduz, sorri, toca no meu braço e eu retribuo. De vez em quando, olho em volta para compor o cenário: Tulio, Paris, Torre Eiffel, noite, luzes, vinho, queijo, beijo. Beijo bom, longo, quente e decidido. Cheiro de homem, de sabonete, de limpeza. Aperto seguro de braço forte ao redor da minha cintura. Desejo, tontura, sussurros em francês e em inglês. Prazer.

- Sua família também saiu hoje à noite? Ninguém estranhou você sair sozinha?

- Eu... eu não estou com minha família. Eu vim com meu namorado. Mas rompemos no dia em que chegamos aqui (dizer que foi ele quem rompeu comigo é muita informação para esse momento tão perfeito...). Então decidi ficar e aproveitar a cidade sozinha.

Ao contrário do que eu esperava, ele sorriu com o cantinho da boca.

- Quer dizer que não há ninguém para reclamar da hora em que você voltará para o hotel?

- Não.

- Não podia ser mais perfeito.

Eu também acho.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 21



Despeço-me do meu amigo recepcionista que sorri e gesticula, às costas de Tulio, dizendo que vai ser maravilhoso. Tadinho! Ele torce mesmo por mim. Sinto o peso da responsabilidade de ter que voltar com uma história para contar no seu próximo turno. Pode deixar, amiguinho, não vou te decepcionar.

Nos cumprimentamos e não há insegurança ou vergonha, como aconteceu com Lucas. Tulio sabe o que está fazendo e eu não tenho mais nada a perder. Tomei dois pés na bunda em Paris, em uma semana, sou uma guerreira. Juntos, somos uma dupla vencedora.

Ele é muito gentil, me pergunta como foi meu dia e ouve com atenção meu deslumbramento com a Torre Eiffel. Eu vou falando e seguindo seus passos, sem fazer a menor questão de saber para onde estamos indo.

Ele lembra disso e me interrompe para me explicar: quer me levar para um piquenique noturno. Sim, claro que topo, com certeza.

- Aprendi muito desde que cheguei, mas ainda tenho muito caminho a percorrer. Por isso, vou te levar para conhecer o melhor pão da cidade que, infelizmente, ainda não é o meu.
- Ele me conta sobre a competição que confere esse título e como gera um frenesi nos padeiros, todos os anos. - Essa nunca ganhou o título o que, para mim, a torna ainda mais especial, porque ela ainda não foi descoberta. É minha melhor baguette, ainda que não seja a do resto do país.

Penso no nosso encontro e em tudo que vivi até aqui. E daí que esse encontro pode parecer bobagem para qualquer outra pessoa que seja descolada e aventureira. Essa é a minha baguette d’or porque a minha trajetória é muito especial por um motivo muito simples: é minha. Por isso, entrei na chuva para me molhar, vou curtir esse momento, porque, como já aprendi a duras penas, ele pode não se repetir amanhã.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 20



Eu sei que há uma loja da C&A no Centro Comercial, no bairro de Montparnasse. A questão é saber onde. Vou perguntando pelo caminho, a transeuntes, aos atendentes das banquinhas de frutas e flores e vou descobrindo que a estação de Montparnasse Bienvenue é um mundo. Com alguma dificuldade, consegui chegar à loja. Decido por um vestido justo, de um azul bem escuro e muito bonito. Imagino a combinação com minhas meias pretas e meu sapato de salto fechado. Escolho também uma linda echarpe de outro tom de azul para quebrar o preto dos meus outros acessórios. 

Faço um lanche no café mais próximo e sigo de volta para o hotel, afinal, já dá para começar o ritual de beleza para a noite. Já me segurei tempo demais, chegou a hora de curtir o encontro e eu já estou ficando eufórica!

Marcamos às 17h e já são 14h. Compro uma garrafa do outro amigo que fiz nessa viagem: o Bordeaux. Tiro da embalagem o abridor e a taça que comprei especialmente para essa ocasião. Deixo para tomar a primeira taça depois do banho de banheira. Melhor não arriscar. Consigo descansar um pouquinho e perto das 19h consigo terminar de me arrumar, orgulhosa por não estar pronta desde as 17h30, como aconteceria algum tempo atrás.

Lembro que nesse horário, Lucas deve estar se dirigindo para o aeroporto, para voltar ao Brasil. Senti um calorzinho no meu coração ao lembrar do meu namoradinho de uma noite. Eu precisava daquele carinho para acalmar meu coraçãozinho e mostrar para ele que nem tudo estava perdido.  

Mando outra mensagem para meu pai, arriscando tudo e confiando que ele não faz idéia de que Jhonny já está em terras brasileiras há algum tempo. Digo que conheci a Torre e que andei pela cidade. Conto que vou conhecer a cidade à noite e que depois dou os detalhes. Reclamo da internet e do fato de não poder escrever longos e-mails. Ele me responde para não me preocupar. Diz que estão todos bem, mandando beijos e que espera que eu me divirta. Imagino minha mãe reclamando porque não ligo, e de meus irmãos se perguntando se eu já comprei as milhares de encomendas que me fizeram. Penso que não vai ser tão ruim voltar para casa, já estou com saudades.

Chego na recepção e já encontro um italiano ainda mais bonito do que consigo me lembrar. Ele combina com perfeição um casaco e um cachecol verdes. Seu cabelo está penteado com um pequeno topete esculpido com muita leveza, como se o vento que ele encontrou na calçada tivesse moldado. A calça é justa e me convida a imaginar o que há por baixo, me indicando coisas muito boas para pensar. Seu sorriso deixa toda a recepção mais clara. Sorrio também.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 19



Depois de me despedir da Torre, desço toda a escadaria e procuro um lugar para almoçar. Seguindo o curso do rio, encontro a Rue Saint Dominique, movimentada e cheia de opções. De lavanderias à creperias, acho que é possível encontrar todo tipo de estabelecimento comercial por aqui. Tem um vai-e-vem frenético pelas calçadas estreitas e eu logo decido por um restaurante de esquina com paredes de vidro para apreciar a rua. 

Não como com tanta calma, hoje eu tenho mais energia e quero aproveitar mais o dia, quero fazer muitas coisas, aproveito e evito pensar no encontro de hoje à noite, não quero criar expectativas. Projeto Maturidade em Paris, em andamento. Mas me permito provar o mousse de chocolate da casa. Afinal, estou na terra mágica onde qualquer coisa feita para comer é simplesmente uma delícia. Se eu não andasse tanto durante o dia, certamente já estaria obesa.

Com essa preocupação, me permito andar sem destino certo. Afinal, parece que qualquer caminho nessa cidade conduz a três opções: A) uma paisagem linda do Sena, com pontes ou margens de cinema; B) um prédio histórico com 600 anos de idade e carinha de 20, (comparados aos nossos casarões históricos de 200 anos, no Brasil, entregues à própria sorte); C) um restaurante maravilhoso, com comidas de sonhos e vinhos bons e baratos. Paris é realmente uma cidade para ser feliz. Apesar de tudo.

Passo pelo lindo prédio dos Inválidos. Aprecio os prédios pelo caminho. Vou até a ponte Alexandre III e me perco na sua opulência. Lembro-me do clipe da Adele. Ela, ao menos, tem talento para virar ganhadora do Emmy depois de um pé na bunda. O fora mais rentável da História. Eu, até agora, estou guardando lembranças. Lembranças da maior loucura que eu já fiz na minha vida: ficar sozinha em outro país e me permitir me envolver com completos estranhos. Ou seja: o que algumas pessoas fazem corriqueiramente é o momento alto da minha existência. Está mesmo na hora de mudar. Quem sabe isso não rende um livro? Seria bom.

Consigo por alguns momentos pensar na vida no Brasil e me pergunto como será o encontro de meu pai, ou de outra pessoa da família, com Jhonny. Essas coisas sempre acontecem quando não deviam. Eu tenho evitado pensar nisso, mas a verdade é que nesse exato momento, meu pai e Jhonny podem estar no mesmo estacionamento de um shopping ou no mesmo restaurante. A certeza de que isso não aconteceu é que meu celular continua mudo. Na hora em que esse encontro se der, meu pai vai esbravejar sobre o Atlântico.

Essa viagem não dura muito. Não tenho nenhuma dificuldade em me situar de novo nessa cidade linda. Respiro fundo o ar frio e coloco as mãos no bolso. Acho que vou começar a temporada de compras em Paris. Apesar de já estar perto da Champs Elysée, meu destino é outro. Lembro de um dos muitos posts sobre a cidade que li, antes de embarcar e me dirijo à primeira estação de metrô que encontro. Vou procurar algo especial para o encontro de hoje à noite. Eu mereço.