sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 18



Pela primeira vez, desde que cheguei, eu acordo me sentindo bem. Passei por muita coisa, tive tempo de pensar muito e acho que já encontrei algumas respostas. Além disso tudo, eu tenho um encontro hoje à noite, com Tulio, o italiano gato. Tenho mesmo? Acho que sim.

É melhor levantar. A patrulha da cidade nem me ameaça hoje, vou aproveitar cada minuto nessa cidade maravilhosa. E vou arranjar outro lugar para tomar meu café da manhã.

O recepcionista da manhã faz questão de me dar o recado do meu cúmplice: Tulio passou à noite, pegou a mensagem e confirmou que está tudo combinado. Agradeço a ele e ao meu novo amigo. Bom contar com o interesse dele nesse encontro. Não posso deixar de me perguntar se ele juntou certo todos os pontos: Jhonny pega as malas dele e vai embora no dia do check in, enquanto eu passo aquele mesmo dia e os dois seguintes passando de cara inchada pela recepção.

De novo, eu fiz as pazes com o frio. Ele agora me desperta, aguça meus sentidos. Procuro o café que descobri ontem e me permito um pain au chocolat logo de manhã. Aproveito a proximidade do meu hotel com o maior símbolo dessa cidade e decido fazer uma caminhada tranquila até a Tour Eiffel. Passo por ruazinhas lindas e não deixo de me perguntar como seria morar por ali. Tenho tempo, paro para ver algumas lojinhas, brinco com cachorros que passeiam, estou em paz.

Ela está cada vez mais perto. Eu consigo ver aqui e acolá, entre os pequenos prédios, a estrutura metálica se revelando. Não achei que ia me sentir assim, mas meu coração está batendo forte.

Chego ao início do gramado e contemplo sua grandiosidade. Eu imaginava que ela era grande, mas é muito maior. Ela domina a paisagem, hipnotiza a visão e chama toda a minha atenção. Vou me encaminhando para os pés da enorme estrutura e nem acredito que cheguei aqui.

Tento tirar uma foto minha com aquela beleza, mas uma americana logo se oferece para me ajudar e tira a minha primeira foto distante, com toda a paisagem, como deve ser. Agradeço e fico alguns minutos admirando o registro. Parece um quadro, uma montagem qualquer; sou e a Torre Eiffel, em Paris. E é real.

Procuro as informações e descubro que a maior fila é para os elevadores, mas que há a opção de ir de escadas. Nem penso duas vezes: é outra história para contar.

Depois de subir o equivalente a quinze andares e depois de uns cinco minutos recuperando o fôlego e ajustando o ritmo cardíaco, eu consegui olhar em volta e me maravilhei. Nesta área, a cidade só tem construções baixas e é possível, mesmo deste primeiro patamar, enxergar bem longe. E é lindo. A cidade vista daqui de cima é um primor, uma maquete de bonecas onde o construtor se preocupou com cada detalhe: frisos, entalhes, telhados e sacadas rebuscados.  

Sinto minha boca abrir-se em um sorriso. Rio para mim mesma, maravilhada. Percorro toda a sacada em passos bem lentos e vou reparando em cada pedaço da paisagem. Paro na face em frente ao Sena e mais uma vez viajo na História secular da cidade, no quanto ela já presenciou. É muito mágico.

Não consigo deixar de me identificar. Passei por muita coisa, permiti me adaptar e assim como a Torre eu posso ser bem maior e surpreender. Esses últimos dias me provaram isso e me tornaram maior. Muito maior.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 17



Chego ao hotel, mais leve, meio boba, mesmo. A sensação piora com o cansaço, andei muito o dia inteiro, preciso de um banho, de comida e de cama.

Minha calma passa quando o recepcionista vem correndo ao meu encontro, afobado, falando rápido e gesticulando. Meu susto de achar que podia ser algum recado do Brasil passou à medida que eu consegui compreender algumas palavras. Eu achei que tinha conseguido entender, quando ele me estendeu um pedaço de papel manuscrito e minha desconfiança se confirmou quando li “Tulio” assinado embaixo.

Sorri, agradeci e fui para o elevador acompanhada do olhar sorridente dele. Não que ele estivesse feliz por mim, era por ele mesmo. Desde o dia em que cheguei que percebi que eu e aquele recepcionista nos atraíamos pelo mesmo sexo. Tulio deve ter causado frisson quando esteve aqui para entregar o bilhete. Enquanto ele gesticulava freneticamente eu entendi “rapaz”, “alto”, “recado”, “simpático”, “para você”. Não há fluência que se mantenha diante daquela euforia.

Ainda no elevador, eu abro o bilhete rápido e leio uma, duas, três vezes. Tulio diz que adorou nossa conversa no trem (eu também, eu também!) e pergunta se quero sair com ele amanhã, para ele me mostrar um pouco de Paris. Explodo! Entro correndo no quarto e me jogo na cama, como uma menina de quinze anos. Reparo que não paro de sorrir desde que entrei. Imagine se o recepcionista sabe o que está escrito ali! Ah. A quem eu quero enganar? Claro que ele leu.

Vou inovar mais uma vez. Vou tomar cuidado, mas vou me permitir. Vou conhecer melhor Tulio e a cidade e ter mais histórias para contar. Não sei se vamos ficar juntos (por favor, por favor!) mas vai valer a pena de qualquer jeito, só por poder aproveitar.

Bom, preciso responder, porque ele pediu que eu deixasse a resposta na recepção do hotel, que ele passaria para pegar quando saísse da boulangerie. Desço correndo e peço ao meu novo cúmplice (que me já me esperava lá embaixo) um papel e uma caneta e juntos redigimos a resposta. Ele me ajuda a falar o francês coloquial e não o da escola do Brasil. Digo que adoraria e confirmo o horário que ele propôs. Meu novo amigo recebe satisfeito e diz para eu não me preocupar. Ele também ganha com a minha resposta, afinal, Tulio vai voltar ali mais tarde.

Mudo de ideia e adio o banho. Preciso comer e voltar ao hotel antes dele passar. Não quero parecer desesperada. Escolho ir no sentido posto ao da boulangerie e encontro um café com um ótimo chocolate quente e com a melhor torta de maçã já feita no mundo. Volto correndo para o hotel e quase não consigo pegar no sono apesar de todo o cansaço. Amanhã minha amiga vai sair de novo acompanhada.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 16



Passei na grande porta de madeira com outros turistas. Uma pessoa da catedral passa a mão na cabeça, em silêncio, para lembrar-me que ainda estou de gorro. 

Tiro o gorro e elevo os olhos, não acredito que estou ali. Tudo ali é grande. Teto muito, muito alto, enormes colunas, lindos e imensos vitrais. Tem gente indo e vindo, mas não reparo em ninguém, só no prédio. 

Sou atraída pelo altar. Ando automaticamente naquela direção e imagino monges rezando, reis sendo coroados, pessoas se refugiando durante as batalhas, nas muitas guerras pelas quais a França passou. Esse prédio tem uma aura, uma vida que exala das suas paredes, há uma energia ali e é poderosa.

Aos poucos, vou me recompondo. Consigo admirar a construção, tomar noção da grandiosidade da catedral. Respiro fundo. A agitação do caminho até aqui já passou. Encontro várias imagens de santos dispostas ao longo das laterais, cada uma com um suporte de pequenas velas para quem quiser comprar por alguns centavos de euro. Pego a minha pequenininha e acendo para Santa Terezinha. Lembro das histórias contadas por minha mãe. Lembro da proteção à Piaf. Acendo a vela em outra e deixo meu coração falar. Não faço uma oração, não penso em palavras. Só sinto. Tenho certeza que ela consegue me alcançar lá no fundo. Não corro o risco de não expressar bem o que gostaria ou o que passo, só abro a porta para que ela sinta comigo. Santa Tereza de Lisieux, cuida de mim.
Depois do meu encontro com Santa Tereza, me acomodo em um banco. Apesar de tudo, estou vivendo dias muito especiais. É maravilhoso estar aqui. Sempre sonhei, desde menina, com o dia em que estaria aqui. Consigo enxergar o lado bom, a oportunidade de conhecer tudo isso, de rezar dentro deste templo secular, de conhecer pessoas novas e viver ótimas experiências. 

Ainda sinto uma pitada de vergonha pela história que vou contar quando voltar para casa, mas vou conta-la a pessoas que me querem bem e que estarão lá para cuidar de mim, quando eu chegar. Isso também é muito especial. O medo me deu uma trégua. Acho que ficou na calçada, assustado, desde que eu vi o paredão luminoso da fachada. Agora eu sinto muito melhor. 

Eu ainda tenho três dias de Paris e muita coisa para conhecer, viver e descobrir. Mãos à obra, Alice.

Despeço-me daquele salão mágico, com a certeza de que não é a última vez que passo por ali. Alcanço a calçada e recebo o frio de cabeça erguida, sem estremecer. A cidade já está mergulhada na noite e está linda. As luminárias nas pontes dão um brilho todo especial, conferindo luz ao charme habitual de Paris. Mal posso acreditar na minha sorte. É uma visão única, de verdade.

Pego o celular e escrevo a primeira mensagem espontânea para meu pai, desde que cheguei. “Passei por Notre Dame e lembrei de vocês. Passeio na cidade à noite e é maravilhosa! Saudades enormes.”

Procuro sem pressa uma estação de metrô para voltar para o hotel. O frio não me intimida mais, é meu companheiro.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 15



Encaixei o gorro na minha cabeça, apertei com força o forro dos bolsos do meu casaco e endureci meus passos. O frio me rondava de novo, eu podia sentir enquanto ele tentava se esgueirar pelo meu rosto e pelas peças mais finas das roupas. Mas eu mantive o passo firme. Deixei o filme passar na minha cabeça. Não olhei ao redor, não procurei a Paris com charme noturno. Eu tinha um destino e eu queria chegar lá.

O caminho pelo Quais François Mitterrand, próximo ao rio, estava muito frio. Tinha poucos corajosos andando por ali e eu não reparei em nenhum deles. As banquinhas de souvenirs localizadas ali já estavam fechando. 

Eu planejei, eu trabalhei eu batalhei por tudo até ali. Eu sempre soube o que eu queria e fui atrás. Podia não ter o emprego dos sonhos, podia não morar na casa escolhida para me aposentar, mas seguia muito bem o caminho traçado por mim mesma. Media, calculava, analisava, e só então agia. Eu sempre fui admirada pela determinação, pelo compromisso e pelas conquistas. De repente, tudo isso parecia vazio. Sem nenhum sentido. Eu nunca planejara estar ali daquele jeito e esse já era o terceiro dia em que tinha que lidar com essa situação. Como sempre, eu conseguia resolver os problemas, mas eu me sentia muito confusa! As lembranças iam e viam e naquela hora, eu conseguia perceber que passava o tempo todo tentando encontrar o porquê. O ponto onde eu tinha errado. Mas eu não tinha errado. Então... por que eu estava ali? Não faz sentido.

Eu conseguia enxergar, àquela altura, que fiquei em Paris, porque no fundo, lá no fundo, eu acreditava que ele podia voltar. Que ele podia entrar naquele quarto e restaurar a ordem na minha vida. Que ele podia voltar e dizer que tudo aquilo em que eu sempre acreditei existia e era como eu pensava. 

Entrei na Pont Neuf feito um foguete. Tirando meu cabelo monocromático e a total falta de maquiagem no meu rosto àquela altura, eu bem que podia passar por uma legítima parisiense.

As coisas começavam a ficar mais claras, e era muito duro entender, mas aparentemente, eu não controlava uma porção de coisas. Mais do que isso: eu não controlava minha própria vida. Eu podia querer, eu podia até batalhar duro por algo e ainda assim, aquilo não acontecer ou acontecer de uma forma completamente diferente do que eu desejei ou esperei. Ok. Eu não sou nenhuma criança. Sei que um homem pode escolher não ficar comigo, eu já tomei um fora antes. Mas durante uma viagem romântica em Paris, do meu namorado de dois anos, quase meu noivo, sem sequer suspeitar de que ele podia querer algo assim, derrubava por terra todas as minhas concepções sobre a minha própria vida e a minha atitude diante dela.

Levantei a cabeça para contemplar o paredão luminoso. Ela estava lá. Imponente, majestosa, testemunha da História de Paris e do mundo por séculos. Uma entidade, um prédio personificado, meu refúgio. Avancei devagar, quase reverente. A fachada tinha mais elementos do que meus olhos eram capazes de captar. As torres eram mais altas do que eu podia imaginar. Fui dando passos lentos em direção às portas, fingindo naturalidade para mim mesma, enquanto o que eu queria era cair de joelhos na calçada mesmo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 14



O metrô de Paris é um dos mais antigos do mundo e alguns vagões estão lá para te lembrar disso. Não acho ruim, acho pitoresco e me ponho a observar de novo o dia-a-dia ao meu redor.  Não paro de me perguntar como seria morar ali. Será que esse friozinho me pareceria tão gostoso se eu tivesse que sair da cama de manhã cedo para trabalhar ou para estudar? Será que esses músicos que se apresentam nos vagões e tocam insistentemente ao seu lado, seriam tão interessantes se eu tivesse que ouvi-los todos os dias?

Desço na estação interna do Louvre e não paro de pensar no que a engenhosidade humana é capaz de fazer. A estação é integrada ao museu, no seu sentido mais literal, desembarco e caminho um pouco até alcançar a entrada. Nesse caminho passo por lojas e por um corredor lindo, com teto muito alto, que me faz esquecer que estou abaixo de um dos castelos mais antigos do mundo.

Consigo me desviar de alguns grupos de japoneses afoitos e me perder nos corredores do palácio. Vejo Da Vinci, múmias, estátuas gregas, o Código de Hamurabi, crianças tendo aulas de História de frente para a História, vejo estudantes de artes desenhando as formas lindas das artes da antiguidade.  Vejo-me perdida num mundo mágico de História e beleza.

Nem vi o tempo passar e depois de comer um lanche no café no mezanino do museu, olho para o relógio e percebo que já anoitece. O ar frio da noite me açoita na saída do museu. É como um tapa de realidade. O desconforto da sensação térmica me acorda. Os rostos passam bem rápido na minha frente: Jhonny dizendo adeus; Lucas divertido e escorregadio; Tulio, lindo e inacessível e eu descabelada, cansada e chorosa.

A vida fora dos corredores do palácio que um dia foi o Louvre pode ser bem doída e eu estava prestes a voltar para o meu quarto de hotel acompanhada apenas dos doces que compraria no caminho. Foi um dia bom, eu havia conseguido me distrair, passear pela cidade e conhecer muito do que me encantava, mas estava indo ao encontro da minha realidade atual: um quarto vazio, com um oceano de distância de todos os que eu amo. E daquele que não me ama, também.

Já sei qual deve ser a minha última parada antes de voltar para o hotel. Abaixo a cabeça para encarar o vento frio e me ponho a caminho da Catedral de Notre Dame.