Encaixei o gorro na minha cabeça, apertei com força o forro
dos bolsos do meu casaco e endureci meus passos. O frio me rondava de novo, eu
podia sentir enquanto ele tentava se esgueirar pelo meu rosto e pelas peças
mais finas das roupas. Mas eu mantive o passo firme. Deixei o filme passar na
minha cabeça. Não olhei ao redor, não procurei a Paris com charme noturno. Eu
tinha um destino e eu queria chegar lá.
O caminho pelo Quais
François Mitterrand, próximo ao rio, estava muito frio. Tinha poucos
corajosos andando por ali e eu não reparei em nenhum deles. As banquinhas de
souvenirs localizadas ali já estavam fechando.
Eu planejei, eu trabalhei eu batalhei por tudo até ali. Eu
sempre soube o que eu queria e fui atrás. Podia não ter o emprego dos sonhos,
podia não morar na casa escolhida para me aposentar, mas seguia muito bem o
caminho traçado por mim mesma. Media, calculava, analisava, e só então agia. Eu
sempre fui admirada pela determinação, pelo compromisso e pelas conquistas. De
repente, tudo isso parecia vazio. Sem nenhum sentido. Eu nunca planejara estar
ali daquele jeito e esse já era o terceiro dia em que tinha que lidar com essa
situação. Como sempre, eu conseguia resolver os problemas, mas eu me sentia
muito confusa! As lembranças iam e viam e naquela hora, eu conseguia perceber
que passava o tempo todo tentando encontrar o porquê. O ponto onde eu tinha
errado. Mas eu não tinha errado. Então... por que eu estava ali? Não faz
sentido.
Eu conseguia enxergar, àquela altura, que fiquei em Paris,
porque no fundo, lá no fundo, eu acreditava que ele podia voltar. Que ele podia
entrar naquele quarto e restaurar a ordem na minha vida. Que ele podia voltar e
dizer que tudo aquilo em que eu sempre acreditei existia e era como eu pensava.
Entrei na Pont Neuf
feito um foguete. Tirando meu cabelo monocromático e a total falta de maquiagem
no meu rosto àquela altura, eu bem que podia passar por uma legítima
parisiense.
As coisas começavam a ficar mais claras, e era muito duro
entender, mas aparentemente, eu não controlava uma porção de coisas. Mais do
que isso: eu não controlava minha própria vida. Eu podia querer, eu podia até
batalhar duro por algo e ainda assim, aquilo não acontecer ou acontecer de uma
forma completamente diferente do que eu desejei ou esperei. Ok. Eu não sou
nenhuma criança. Sei que um homem pode escolher não ficar comigo, eu já tomei
um fora antes. Mas durante uma viagem romântica em Paris, do meu namorado de
dois anos, quase meu noivo, sem sequer suspeitar de que ele podia querer algo
assim, derrubava por terra todas as minhas concepções sobre a minha própria
vida e a minha atitude diante dela.
Levantei a cabeça para contemplar o paredão luminoso. Ela
estava lá. Imponente, majestosa, testemunha da História de Paris e do mundo por
séculos. Uma entidade, um prédio personificado, meu refúgio. Avancei devagar,
quase reverente. A fachada tinha mais elementos do que meus olhos eram capazes
de captar. As torres eram mais altas do que eu podia imaginar. Fui dando passos
lentos em direção às portas, fingindo naturalidade para mim mesma, enquanto o
que eu queria era cair de joelhos na calçada mesmo.
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