quinta-feira, 4 de abril de 2013

Viagem para Recife



Imagem retirada do site www.secopa.recife.pe.gov.br

Não, esse texto não tem nada a ver com o fato de Recife ser chamada aqui ou acolá de Veneza Brasileira. Até porque... né? Enfim...

Esse texto tem a ver com sentimentos peculiares, meio esquisitos, até.

Quando eu era mais nova (e nem conhecia São Paulo) eu ouvia as pessoas falando que amavam aquela cidade, que sentiam isso e aquilo em cada esquina etc. E eu achava tudo isso muuuuito estranho. Primeiro que São Paulo para mim era sinônimo de selva de pedra, corrupção, poluição e tudo de ruim com ou sem "ão" que pudesse existir. (Impressão já devidamente retificada pela minha ida lá pela primeira vez no ano passado. Saudades Sampa!) Segundo porque eu não entendia como alguém podia se identificar nesses termos com um lugar, mais especificamente com uma cidade. Com uma aglomeração urbana, sabe? Ok que você ache que no topo do Morro do Pai Inácio na Chapada Diamantina você encontre uma energia legal. Mas no meio de prédios e avenidas? Too hard.

Mas eis que isso aconteceu comigo. Daí que eu já sentia isso há muitos anos, mas não sabia que era isso, entende? 

Recife para mim sempre foi um lugar especial. Meio mágico até. Explico.

Primeiro, era a terra natal de minha mãe e onde meu pai passou parte de sua vida. Minha família mora aqui. Mas eu não morava aqui. Descobria pouco a pouco o que tinha na cidade e como ela funcionava. Ao final do meu período de estadia, eu ia embora, deixando para trás um tanto de coisas ainda a conhecer. Aguardando a próxima vinda para continuar de onde havia parado e para revisitar o que havia gostado.

Depois, era uma cidade muito maior do que onde eu morava, a pequenina Maceió da década de 1980. Foi aqui que frequentei meu primeiro shopping center (amor para a vida toda!), que admirei os primeiros letreiros luminosos e até onde tomei o primeiro leite de caixinha. Como esquecer?

Mas o mais legal é que era aqui onde eu passava férias. Ah... Recife tinha gosto de liberdade, de brincadeiras com os primos e amigos, de pé no chão e de paparico de tios, vários solteiros e sem filhos. Recife tinha gosto de manga aberta assim que caía do pé, de pão assado com "parte do meio" (Cris, minha tia, cortava o pão dormido em três partes e a do meio acabava recebendo duas camadas de manteiga, uma de cada lado), de geladinho comprado na esquina e trazido na bacia previamente separada, afinal, eram muitos e gelados. Recife tinha som de chuva no telhado da casa da vó, de gritos de crianças na rua e do chiado do pneu da bicicleta no pedacinho da rua que tinha areia. Ah, como eu gostava desse chiado... Recife deixava marca de arranhão das quedas no joelho, deixava hematomas das tentativas de subir no muro para a ver a vida passar, deixava marca na bunda do bagageiro da bicicleta do amigo que dava carona até a parte alta da praça. Mais que isso: Recife deixava o coração cheio de saudade. 

Eu cresci e a ligação mudou: agora eu vinha para o carnaval. Corria para Olinda na companhia das primas que, até hoje eu não sei como, conseguiam ir para qualquer lugar desejado (ou não desejado) subindo e descendo as ladeiras, sem nunca se perder. Quando caía a noite, voltava para o Recife e curtia o clima boêmio do centro antigo, cantando marchinhas e passeando pelas ruas de pedra, perdendo a noção da hora e encontrando lembranças de carnaval à luz da lua. Recife passou a ter gosto de suor, de álcool, de exaustão e de frevo. Recife passou a encarnar a felicidade de ser recifense, de saber músicas ancestrais, de ter orgulho de cantar o hino do lugar a que se pertence, e passou a oferecer amores de carnaval.

Afastei-me de Recife. Mas ele nunca afastou-se de mim. Eu visitava os parentes e sentia um comichãozinho quando chegava aqui. É estranho e inexplicável, mas eu senti e passei a perceber. Tinha uma alegria. Uma energia diferente. Sim, tinha trânsito, tinha pichações e lixo. Mas tinha uma agitação, um sorriso e uma árvore florida. Tinha um sotaque gostoso e um pão doce de coco. Parecia que o céu era mais azul, que as árvores eram mais frondosas. Sim, tinha um amor que eu não tinha percebido, mas que sempre esteve ali. Vi que eu era mais um dos malucos: eu amava uma cidade. Que coisa.

Eis que aos 3 meses de gestação, recebo a notícia: teria que morar em Recife. E como faria um apaixonado, não pensei duas vezes: arrumei as malas e fui ao encontro dela. Isso não tinha sido planejado, nem procurado. E aí, eis que aconteceu o desfecho mais fantástico e imprevisível dessa história de amor: eu tive um filho aqui, em Recife. Juntas, eu e a cidade, criamos o personagem mais importante dessa parceria tão antiga: um bebê, lindo, amado e... recifense.

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