sexta-feira, 5 de abril de 2013

La Belle du Jour


Eu tenho uma relação especial com o período da tarde.

Pois é, eu sou mais louca do que aparento. Além da cidade, a tarde também tem um lugar todo especial no meu coração. Mas perceba: não é qualquer tarde, é a tarde do dia de semana. Fins de semana e feriados não dispõem do mesmo brilho, nã-não.

Eu sempre tive mil obrigações à tarde. Quando era mais nova, o colégio; quando tomei pau no primeiro vestibular, o cursinho; quando estava na faculdade, o estágio; depois da faculdade, o trabalho, ah.. o trabalho... esse sim, aprisionante. Quando eu estava no colégio, por mais rígidos que meus pais fossem com a minha frequência, uma vez por ano, no meu aniversário, eu podia faltar. Era um presente para mim (além de um bem material, é claro). Também não posso esquecer das crises de garganta ou de eventuais desconfortos intestinais que permitiam que eles avaliassem caso a caso e uma vez ou outra decidissem que eu podia ficar em casa me recuperando. E é claro que eu sempre argumentava nessas ocasiões. Embora nem sempre fosse ouvida, me era garantida a palavra.

No trabalho, não-tem-negociação. Ou se tem atestado ou se perdeu o jogo. Saco. Não importa se eu cumpri o que tinha para fazer naquele dia e o céu está estalando de tão azul. Game over. Até as 17h, meu compromisso é ficar imersa em ar condicionado sujo, olhando para a tela do computador e tomando cafezinho. Claro que eu sou assalariada e tenho ponto fixo. Essa realidade não se aplica para um profissional maduro que coordena seus horários. Esse não é o meu caso.

Eis que ultimamente as horas da tarde valorizaram-se muito no meu mercado. Hoje, sinceramente, elas valem mais que diamantes do Congo. 

Mas por que não as manhãs? Veja bem, para quem tem obrigações fora de casa à tarde, as manhãs sempre tiveram fama de passarem mais rápido. E vamos combinar: isso é um fato que só falta ser comprovado cientificamente. Este sempre foi o período compreendido entre o acordar e o me arrumar para o colégio; ou entre ligar o computador e parar de carregar o correio eletrônico, antes de sair do escritório para almoçar.

Mas a tarde, não. A tarde era o período de aulas, é o período em que já deu tempo de perceber que uma decisão errada foi tomada e é preciso convocar uma reunião. É o período do vuco-vuco, do corre-corre. 

Por isso é tão-gos-to-so filar a tarde. Ficar em casa à tarde tem gosto de proibido, de "só eu posso, você, não", de "não sei quando será a próxima" etc. A programação da TV (a cabo) à tarde é mais divertida, o sol brilha mais de tarde e a soneca é a melhor.

Eis que meu bebê nasceu e minha vida de assalariada me deu uma mostra de suas vantagens: a licença maternidade. Estou em casa, curtindo tardes. Claro, eu trabalho muito, mas estou em casa... às tardes. Aprecio a vista das minhas janelas todas as tardes. Os carros transitam, os pedestres também, ônibus para cima e para baixo e eu na varanda do meu apê. Isso, para mim, não tem preço. Acompanho a mudança da paisagem hora a hora. Imagino o que algumas pessoas que estão na rua estão fazendo naquela hora. Tudo da minha casa... ô glória. E no final de tudo, vem o brinde: o pôr-do-sol, apreciado, curtido, percebido em cada nuance de cor da janela da minha casa. Nada a ver com a experiência corrida no carro, no caminho de volta do escritório. Momento curtido, vivido, refletido. A noite arrastando-se, puxando a capa escura sobre o céu que antes irradiava luz. Os pinguinhos de luz oferecidos pelos postes mudando a paisagem no solo, também. Mudam os sons, o ritmo, a jornada. É bom, é muito bom.

Realmente, nessas horas, eu me convenço de que ter manias doidas pode ser um bálsamo para o ser humano, porque eu posso afirmar: eu sou mais feliz quando passo as tardes em casa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário