segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 2



Desencosto-me do parapeito da ponte e começo meu caminho de volta para o hotel. Vai ser a primeira vez que entrarei no quarto sozinha. Nunca imaginei que essa viagem terminaria assim. Decolei sonhando com jantares, visitas a clubes de jazz, passeios apaixonados pelos jardins, muitas fotos com beijos, abraços e rostinhos colados. E tudo que tinha agora eram seis dias frios, caros e solitários pela frente.

O remédio perfeito para essa noite está na esquina do hotel, uma boulangerie maravilhosa (como aliás, todas em Paris, pelo menos de acordo com o meu paladar), onde vou me abastecer de açúcar suficiente para deixar uma criança de cinco anos acordada por três dias, mas que no meu caso, será meu sonífero.

A cada minuto penso na surpresa, na queda que tomei, e os sentimentos se sucedem. Primeiro sento-me azarada, triste, abandonada, e aí sinto muita raiva de como ele me tratou e de tudo que está acontecendo. Aí lembro dos meus pais e amigos e sinto uma vergonha que aquece meu rosto, mesmo naquele frio. Sou despertada pela atendente da boulangerie, com seu bonsoir antipático, cansado de turistas que não sabem nem responder ao cumprimento. Não é o meu caso.

-Bonsoir, madame. Je veux deux croissants, um chocolat chaud e une chose spécial... qu’est ce que vous m’indiquez? (Boa noite, senhora. Eu quero dois croissants com chocolate, um chocolate quente e uma coisa especial... o que a senhora indica?)

Atônita, a atendente aponta para um bolo feito com amêndoas e coberto com um glacê que parecia ter sido tirado das mãozinhas de Maria Antonieta, enquanto se refestelava no chá da tarde no salão dos espelhos. Puro luxo. É disso que preciso. Fiquei tão encantada com o doce que nem percebi que ia deixando o troco para trás e já seguia na calçada quando um rapaz me alcançou correndo com as moedas na mão.

Comi a maior parte dos doces num piscar de olhos e imaginei que podia acordar com uma baita dor de barriga, o que seria perfeito para passar o dia no hotel sem me sentir arrasada, afinal, havia um bom motivo para tanto.

Adormeci com a televisão ligada ao som dos comerciais estranhos e corridos, falado num francês incompreensível. Sonhei com um aeroporto onde não conseguia me localizar. Muitos portões, muita gente e eu não sabia para onde ia, enquanto o tempo passava e minha aflição aumentava.

Acordei com uma sirene, a ambulância passou correndo, resgatando um ferido e a mim do meu pesadelo.

Não, o plano do açúcar não tinha dado certo, parece que o corpo precisava do consolo do doce e o absorveu sem problemas. 

Vesti-me no automático. Paris chamava. Aquela cidade tinha mesmo algo especial. Era linda, histórica e autoritária. Suas ruas e praças gritavam, ordenavam a visita e a apreciação. Ali não era permitido ficar no quarto amargando dor de cotovelo. A qualquer momento um oficial podia adentrar no quarto e me multar. Sem nem saber como, de repente, já estava na calçada, acordando com a brisa gelada e o cheiro dos croissants.

Havia um mundo de coisas para fazer. Desde sentar-me no banco de uma praça e comer um quilo de macarons, até desvendar o labirinto do Louvre ou descobrir os tesouros do Marmottan. A cidade abria um leque de oportunidades que mesmo sem entender como, sentia aquecer meu coração. Ainda que eu saiba que nenhuma delas trará meu amor de volta, a cidade me acolhe com suas possibilidades.

Naquele momento, meu celular tocou. Meu pai, tadinho, mais entusiasmado do que eu com a viagem toda. Acompanhou cada passo da minha programação. Claro que ele vai querer saber de tudo, com detalhes. Depois do meu contato avisando que havia chegado bem, aquele era a primeira vez que nos falávamos. Não tenho como lidar com isso agora. Decidi mentir. Disse que tudo estava bem, que tinha dedicado o dia anterior às caminhadas e aleguei um problema com o chip de internet que havia comprado para não dar notícias mais frequentes. Isso deve bastar por enquanto.

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