quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Alice na Paris das cinco noites - Parte 1



O sol se põe atrás dos pequenos prédios de Paris, o vento frio agita meus cabelos, fazendo um carinho gelado em meu rosto, enquanto me lembra do quão frio está ao ar livre. Os parisienses andam apressados, passam com as mãos nos bolsos e a cabeça enterrada nos cachecóis fofos ao redor dos pescoços, cada um olhando para o chão à sua frente e só. Os barcos seguem seus cursos no rio, transportando os turistas deslumbrados com a beleza da cidade. As árvores, vistas da Pont des Arts, derramam suas folhas na água do rio, anunciando o fim do outono e a chegada do inverno.

Eu sempre achei que o frio tinha um cheiro. Sempre que tive contato com temperaturas mais baixas, senti um cheiro diferente no ar. Aqui, isso é ainda mais forte. Estou realmente muito longe do Brasil. O cheiro do frio me diz mais do que isso: é o cheiro do frio em Paris. Apurei todos os sentidos, o aroma me mostra que estou muito longe de casa; os ouvidos captam o francês corriqueiro, tão diferente daquele aprendido nas salas do cursinho; os olhos absorvem essa paisagem de jogos de quebra-cabeças, que agora se materializa aqui, na minha frente. Mas na boca, sinto o gosto amargo da surpresa triste. A cidade mostra-se em todo o seu esplendor, mas eu não consigo me conectar.

Tudo é alheio à minha dor. A cidade toda continua existindo, apaixonando, encantando, divertindo e maravilhando quase todos que ali estão. Mas eu só penso em minha dor. Estar em Paris sozinha já é um fato raro, algo que ninguém deseja. Mas estar em Paris sozinha depois de ser deixada pelo namorado durante a viagem romântica que haviam planejado para lá, era ainda pior. 

Sempre ouvi falar de histórias assim, em livros ou em filmes. Mas essas coisas não aconteciam na vida real. Pelo menos, não comigo, Alice. Sempre fui linear, previsível, até. Sempre estive dentro dos padrões. Já namorava há três anos, já olhava revistas para noivas. Não conseguia entender. Ser deixada em Paris era como ser deixada no altar.

Sinto uma inveja enorme da personagem do curta metragem que assisti, que visita Paris sozinha, na meia-idade, depois de juntar dinheiro ao longo de muito tempo. Quando assisti o filme, lembro que me compadeci daquela mulher. Agora penso melhor. Ela teve escolha. Conheceu a Paris romântica sozinha, mas porque escolheu ir naquele momento, sem aquela companhia. Não é meu caso. Eu não escolhi passar por isso.

Mal consigo me lembrar da conversa. Não te amo mais, conheci outra pessoa, não é você, sou eu. Ele pode ter dado qualquer uma dessas explicações ou todas juntas, não podia me lembrar. A única frase que ficou na minha cabeça foi o “não dá mais”, com o som do zíper da mala dele fechando como o efeito sonoro do momento. Depois, havia o vazio do quarto, as minhas roupas que estavam na mala dele jogadas em cima da cama e o som dos meus soluços, sem entender nada do que havia acontecido ali.

Planejei, juntei dinheiro, sonhei, divulguei por todos os meios, matei amigas e inimigas de inveja e agora estava ali, recusando-me a remarcar a passagem e partir, como ele fizera. Agora tinha que aproveitar, era o mínimo! Nem pensei nas consequências quando anunciei que ia ficar, que se ele quisesse, podia ir embora sozinho. 

Agora, ali, na ponte, a ficha caiu. O que eu ia fazer sozinha naquela cidade? Arrastar-me pelas ruas invejando os rostos felizes? Sentar-me num banco do Louvre e esperar o tempo passar? Puxa... mais um problema para lidar. Queria conversar, falar com alguém, desabafar, pedir um conselho. Mas mesmo que tivesse coragem para admitir para alguém o que aconteceu, o custo de uma ligação para o Brasil, deixa-me ainda mais solitária. 

A cidade não se encaixa nesse acontecimento estranho. Paris está habituada a romance, encontros, magia e deleite. Abandono, tristeza, choque e solidão não estavam presentes na fantasia que tinha da cidade. O sol doura o céu, a água barrenta do Sena agita-se à passagem dos barcos. Apesar do frio, as margens estão cheias de pessoas. Apesar de tudo, a cidade preserva uma certa magia. Há algo estranho no ar. Tudo o que planejei deu errado da maneira mais chocante possível, mas eu estou em Paris, isso também se impunha. De alguma forma, isso também importa.

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