Desencosto-me do parapeito da
ponte e começo meu caminho de volta para o hotel. Vai ser a primeira vez que
entrarei no quarto sozinha. Nunca imaginei que essa viagem terminaria assim.
Decolei sonhando com jantares, visitas a clubes de jazz, passeios apaixonados
pelos jardins, muitas fotos com
beijos, abraços e rostinhos colados. E tudo que tinha agora eram seis dias
frios, caros e solitários pela frente.
O remédio perfeito para essa
noite está na esquina do hotel, uma boulangerie
maravilhosa (como aliás, todas em Paris, pelo menos de acordo com o meu
paladar), onde vou me abastecer de açúcar suficiente para deixar uma criança de
cinco anos acordada por três dias, mas que no meu caso, será meu sonífero.
A cada minuto penso na surpresa,
na queda que tomei, e os sentimentos se sucedem. Primeiro sento-me azarada,
triste, abandonada, e aí sinto muita raiva de como ele me tratou e de tudo que
está acontecendo. Aí lembro dos meus pais e amigos e sinto uma vergonha que
aquece meu rosto, mesmo naquele frio. Sou despertada pela atendente da boulangerie, com seu bonsoir antipático, cansado de turistas
que não sabem nem responder ao cumprimento. Não é o meu caso.
-Bonsoir, madame. Je veux deux croissants, um chocolat chaud e une chose spécial... qu’est ce que vous m’indiquez? (Boa noite, senhora. Eu quero dois croissants com chocolate, um chocolate quente e uma coisa especial... o que a senhora indica?)
Atônita, a atendente aponta para
um bolo feito com amêndoas e coberto com um glacê que parecia ter sido tirado
das mãozinhas de Maria Antonieta, enquanto se refestelava no chá da tarde no salão
dos espelhos. Puro luxo. É disso que preciso. Fiquei tão encantada com o doce
que nem percebi que ia deixando o troco para trás e já seguia na calçada quando
um rapaz me alcançou correndo com as moedas na mão.
Comi a maior parte dos doces num
piscar de olhos e imaginei que podia acordar com uma baita dor de barriga, o
que seria perfeito para passar o dia no hotel sem me sentir arrasada, afinal,
havia um bom motivo para tanto.
Adormeci com a televisão ligada ao
som dos comerciais estranhos e corridos, falado num francês incompreensível.
Sonhei com um aeroporto onde não conseguia me localizar. Muitos portões, muita
gente e eu não sabia para onde ia, enquanto o tempo passava e minha aflição
aumentava.
Acordei com uma sirene, a
ambulância passou correndo, resgatando um ferido e a mim do meu pesadelo.
Não, o plano do açúcar não tinha
dado certo, parece que o corpo precisava do consolo do doce e o absorveu sem
problemas.
Vesti-me no automático. Paris
chamava. Aquela cidade tinha mesmo algo especial. Era linda, histórica e
autoritária. Suas ruas e praças gritavam, ordenavam a visita e a apreciação.
Ali não era permitido ficar no quarto amargando dor de cotovelo. A qualquer
momento um oficial podia adentrar no quarto e me multar. Sem nem saber como, de
repente, já estava na calçada, acordando com a brisa gelada e o cheiro dos
croissants.
Havia um mundo de coisas para
fazer. Desde sentar-me no banco de uma praça e comer um quilo de macarons, até
desvendar o labirinto do Louvre ou descobrir os tesouros do Marmottan. A cidade
abria um leque de oportunidades que mesmo sem entender como, sentia aquecer meu
coração. Ainda que eu saiba que nenhuma delas trará meu amor de volta, a cidade
me acolhe com suas possibilidades.
Naquele momento, meu celular
tocou. Meu pai, tadinho, mais entusiasmado do que eu com a viagem toda.
Acompanhou cada passo da minha programação. Claro que ele vai querer saber de tudo,
com detalhes. Depois do meu contato avisando que havia chegado bem, aquele era
a primeira vez que nos falávamos. Não tenho como lidar com isso agora. Decidi
mentir. Disse que tudo estava bem, que tinha dedicado o dia anterior às
caminhadas e aleguei um problema com o chip de internet que havia comprado para
não dar notícias mais frequentes. Isso deve bastar por enquanto.
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