O sol se põe atrás dos pequenos prédios de Paris, o vento
frio agita meus cabelos, fazendo um carinho gelado em meu rosto, enquanto me lembra
do quão frio está ao ar livre. Os parisienses andam apressados, passam com as
mãos nos bolsos e a cabeça enterrada nos cachecóis fofos ao redor dos pescoços,
cada um olhando para o chão à sua frente e só. Os barcos seguem seus cursos no
rio, transportando os turistas deslumbrados com a beleza da cidade. As árvores,
vistas da Pont des Arts, derramam
suas folhas na água do rio, anunciando o fim do outono e a chegada do inverno.
Eu sempre achei que o frio tinha um cheiro. Sempre que tive
contato com temperaturas mais baixas, senti um cheiro diferente no ar. Aqui,
isso é ainda mais forte. Estou realmente muito longe do Brasil. O cheiro do
frio me diz mais do que isso: é o cheiro do frio em Paris. Apurei todos os
sentidos, o aroma me mostra que estou muito longe de casa; os ouvidos captam o
francês corriqueiro, tão diferente daquele aprendido nas salas do cursinho; os
olhos absorvem essa paisagem de jogos de quebra-cabeças, que agora se
materializa aqui, na minha frente. Mas na boca, sinto o gosto amargo da
surpresa triste. A cidade mostra-se em todo o seu esplendor, mas eu não consigo
me conectar.
Tudo é alheio à minha dor. A cidade toda continua existindo,
apaixonando, encantando, divertindo e maravilhando quase todos que ali estão.
Mas eu só penso em minha dor. Estar em Paris sozinha já é um fato raro, algo
que ninguém deseja. Mas estar em Paris sozinha depois de ser deixada pelo
namorado durante a viagem romântica que haviam planejado para lá, era ainda
pior.
Sempre ouvi falar de histórias assim, em livros ou em filmes.
Mas essas coisas não aconteciam na vida real. Pelo menos, não comigo, Alice. Sempre
fui linear, previsível, até. Sempre estive dentro dos padrões. Já namorava há
três anos, já olhava revistas para noivas. Não conseguia entender. Ser deixada
em Paris era como ser deixada no altar.
Sinto uma inveja enorme da personagem do curta metragem que
assisti, que visita Paris sozinha, na meia-idade, depois de juntar dinheiro ao
longo de muito tempo. Quando assisti o filme, lembro que me compadeci daquela
mulher. Agora penso melhor. Ela teve escolha. Conheceu a Paris romântica
sozinha, mas porque escolheu ir naquele momento, sem aquela companhia. Não é
meu caso. Eu não escolhi passar por isso.
Mal consigo me lembrar da conversa. Não te amo mais, conheci
outra pessoa, não é você, sou eu. Ele pode ter dado qualquer uma dessas explicações
ou todas juntas, não podia me lembrar. A única frase que ficou na minha cabeça
foi o “não dá mais”, com o som do zíper da mala dele fechando como o efeito
sonoro do momento. Depois, havia o vazio do quarto, as minhas roupas que
estavam na mala dele jogadas em cima da cama e o som dos meus soluços, sem
entender nada do que havia acontecido ali.
Planejei, juntei dinheiro, sonhei, divulguei por todos os
meios, matei amigas e inimigas de inveja e agora estava ali, recusando-me a
remarcar a passagem e partir, como ele fizera. Agora tinha que aproveitar, era
o mínimo! Nem pensei nas consequências quando anunciei que ia ficar, que se ele
quisesse, podia ir embora sozinho.
Agora, ali, na ponte, a ficha caiu. O que eu ia fazer sozinha
naquela cidade? Arrastar-me pelas ruas invejando os rostos felizes? Sentar-me
num banco do Louvre e esperar o tempo passar? Puxa... mais um problema para
lidar. Queria conversar, falar com alguém, desabafar, pedir um conselho. Mas
mesmo que tivesse coragem para admitir para alguém o que aconteceu, o custo de
uma ligação para o Brasil, deixa-me ainda mais solitária.
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