Ele estava meio assanhado, com certeza tinha sido apanhado
pelo vento à beira do rio e esqueceu-se de arrumar os cabelos. As bochechas
estavam vermelhas da rajada gelada. A gola do casaco levantada e o cachecol
aberto, apenas jogado em torno do pescoço. Incrível como desarrumado ele ficava
ainda mais bonito.
Ele chegou bem perto e falou baixo.
- Desculpa vir aqui tão cedo, mas eu queria te ver.
Tive vontade de lembrar a ele, como fiz com Jhonny, que Alec
não fala português, mas me contive.
- Não, tudo bem, mas aconteceu alguma coisa?
Ele olhou para os sapatos, molhou os lábios e me encarou.
- O namorado de Luisa conseguiu convencê-la a ficar mais
tempo em Paris e eu decidi ficar com ela.
Eu fiquei com aquela cara de quem espera o final da piada.
Não entendi.
Ele então me explicou que estava muito nervoso na noite em
que estivemos juntos, porque não saía com ninguém desde que tinha terminado com
a ex-namorada e que ele queria diversão de uma noite.
É, isso eu percebi.
Mas que a noite foi mais gostosa e natural do que ele tinha
imaginado e que apesar de mal me conhecer, ele se sentiu meu namorado por
aquelas horas. Eu sabia exatamente o que ele estava falando. Havia me sentido
do mesmo jeito.
Ele me explicou ainda que tentou tratar aquele encontro
daquela forma, mas que não conseguiu me tirar da cabeça. Que pensou em mim
todos os dias do resto da viagem e que ontem, quando surgiu a oportunidade de
ficar mais tempo, não pensou duas vezes: resolveu agarrar a oportunidade de
chacoalhar a sua vidinha quieta e fazer uma loucura. Ele disse que se lembrou
da minha data de retorno e que por isso me ligou insistentemente, mas eu não
atendi e não retornei, o que quase o fez desistir.
Ele ligou junto com
Jhonny e eu não percebi.
- Eu quero te convidar para viver essa loucura comigo.
Oi?
- Fica em Paris comigo mais uma semana? Vamos nos conhecer
melhor aqui, nessa cidade linda? Sinto que podemos começar uma história por
aqui.
Não havia mais resquícios do frio que o acompanhou até aqui.
Ele suava, enquanto me dizia isso, suas mãos se torciam na frente da barriga. Mas seus olhos estavam bem abertos, vidrados
nos meus e seu sorriso não diminuía em nenhum momento.
- Vamos?
Ao contrário do que aconteceria há alguns dias, não fiquei tonta,
nem sem ar. Eu tinha passado muita coisa até aqui. Hoje era meu último dia
dessa experiência inesperada e eu já tinha aprendido tudo que ela tinha me
oferecido. Havia torrado todo o meu dinheiro em refeições fantásticas e em
pequenas compras. Tinha histórias maravilhosas para contar, como a da noite
passada com Tulio. Havia preenchido todas as lacunas que me levaram até aqui e
estava pronta para partir e encerrar aquele capítulo. Com certeza.
Não respondi nada.
Dei-lhe um abraço bem apertado o mais forte que consegui.
Senti os braços dele ao meu redor me apertando também. Olhei bem dentro
daqueles olhos castanhos:
- Fico sim. Por que não? Também acho que podemos começar uma
história por aqui.
Ele abriu um enorme sorriso e me beijou. Ao que Alec não resistiu
e começou a bater palmas com toda agitação. Agora era oficial: eu vivia uma
comédia romântica. Eu estava num filme!
Eu tinha um fundo de reserva, para emergências, para trocar
de carro, enfim, para coisas de gente adulta. O que podia ser mais maduro do
que isso? Esse dinheiro ia me manter lá por mais tempo. Além disso, podia
remarcar aliviada a minha volta e deixar Jhonny me esperando na poltrona do
avião.
- Alec, je voudrais
rester pour une semaine en plus. C’est possible? (Alec, eu quero ficar mais uma semana, posso?)
- Oui,
mademoiselle! (Claro, senhorita!)
Pego o celular e escrevo: Pai, mais uma semana em Paris. Hoje
à noite, sem falta, sento e escrevo um e-mail contando tudo. Estou bem e muito feliz!
- Como assim, você precisa avisar para o seu pai que vai
ficar aqui? Ele não está aqui com você?
- Huuummm... longa história. Vamos tomar um café? Prometo que
te conto tudo. Quer dizer, quase tudo. Acho que você não vai querer saber de
tuuuudo mesmo.
Ele me deu um sorriso cúmplice e naquela hora eu percebi que
já tínhamos uma história em Paris, ela só ia melhorar a partir de agora.