quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Alice na Paris das cinco noites - Parte Final



Ele estava meio assanhado, com certeza tinha sido apanhado pelo vento à beira do rio e esqueceu-se de arrumar os cabelos. As bochechas estavam vermelhas da rajada gelada. A gola do casaco levantada e o cachecol aberto, apenas jogado em torno do pescoço. Incrível como desarrumado ele ficava ainda mais bonito.


Ele chegou bem perto e falou baixo. 


- Desculpa vir aqui tão cedo, mas eu queria te ver.


Tive vontade de lembrar a ele, como fiz com Jhonny, que Alec não fala português, mas me contive.


- Não, tudo bem, mas aconteceu alguma coisa?


Ele olhou para os sapatos, molhou os lábios e me encarou.


- O namorado de Luisa conseguiu convencê-la a ficar mais tempo em Paris e eu decidi ficar com ela.


Eu fiquei com aquela cara de quem espera o final da piada. Não entendi.


Ele então me explicou que estava muito nervoso na noite em que estivemos juntos, porque não saía com ninguém desde que tinha terminado com a ex-namorada e que ele queria diversão de uma noite. 


É, isso eu percebi. 


Mas que a noite foi mais gostosa e natural do que ele tinha imaginado e que apesar de mal me conhecer, ele se sentiu meu namorado por aquelas horas. Eu sabia exatamente o que ele estava falando. Havia me sentido do mesmo jeito. 


Ele me explicou ainda que tentou tratar aquele encontro daquela forma, mas que não conseguiu me tirar da cabeça. Que pensou em mim todos os dias do resto da viagem e que ontem, quando surgiu a oportunidade de ficar mais tempo, não pensou duas vezes: resolveu agarrar a oportunidade de chacoalhar a sua vidinha quieta e fazer uma loucura. Ele disse que se lembrou da minha data de retorno e que por isso me ligou insistentemente, mas eu não atendi e não retornei, o que quase o fez desistir.


 Ele ligou junto com Jhonny e eu não percebi.


- Eu quero te convidar para viver essa loucura comigo. 


Oi?


- Fica em Paris comigo mais uma semana? Vamos nos conhecer melhor aqui, nessa cidade linda? Sinto que podemos começar uma história por aqui. 


Não havia mais resquícios do frio que o acompanhou até aqui. Ele suava, enquanto me dizia isso, suas mãos se torciam na frente da barriga.  Mas seus olhos estavam bem abertos, vidrados nos meus e seu sorriso não diminuía em nenhum momento. 


- Vamos?


Ao contrário do que aconteceria há alguns dias, não fiquei tonta, nem sem ar. Eu tinha passado muita coisa até aqui. Hoje era meu último dia dessa experiência inesperada e eu já tinha aprendido tudo que ela tinha me oferecido. Havia torrado todo o meu dinheiro em refeições fantásticas e em pequenas compras. Tinha histórias maravilhosas para contar, como a da noite passada com Tulio. Havia preenchido todas as lacunas que me levaram até aqui e estava pronta para partir e encerrar aquele capítulo. Com certeza.


Não respondi nada. 


Dei-lhe um abraço bem apertado o mais forte que consegui. Senti os braços dele ao meu redor me apertando também. Olhei bem dentro daqueles olhos castanhos:


- Fico sim. Por que não? Também acho que podemos começar uma história por aqui. 


Ele abriu um enorme sorriso e me beijou. Ao que Alec não resistiu e começou a bater palmas com toda agitação. Agora era oficial: eu vivia uma comédia romântica. Eu estava num filme!


Eu tinha um fundo de reserva, para emergências, para trocar de carro, enfim, para coisas de gente adulta. O que podia ser mais maduro do que isso? Esse dinheiro ia me manter lá por mais tempo. Além disso, podia remarcar aliviada a minha volta e deixar Jhonny me esperando na poltrona do avião.


- Alec, je voudrais rester pour une semaine en plus. C’est possible? (Alec, eu quero ficar mais uma semana, posso?)


- Oui, mademoiselle! (Claro, senhorita!)


Pego o celular e escrevo: Pai, mais uma semana em Paris. Hoje à noite, sem falta, sento e escrevo um e-mail contando tudo.  Estou bem e muito feliz!


- Como assim, você precisa avisar para o seu pai que vai ficar aqui? Ele não está aqui com você?


- Huuummm... longa história. Vamos tomar um café? Prometo que te conto tudo. Quer dizer, quase tudo. Acho que você não vai querer saber de tuuuudo mesmo. 


Ele me deu um sorriso cúmplice e naquela hora eu percebi que já tínhamos uma história em Paris, ela só ia melhorar a partir de agora.

Fim.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Alice na Paris das cinco noites - Parte 31



Durante a nossa conversa, ele mencionou que sempre pensou em voltar, tanto que não havia remarcado a volta para o Brasil. Não posso passar dez horas sentada ao lado de Jhonny. Na mesma hora lembro de toda reviravolta que me aconteceu nos últimos dias. Nada mais me preocupa com antecedência. Quando embarcar, darei um jeito.

Acomodo-me na cama, busco aconchego no travesseiro e durmo muito bem, sem sonhar, sem acordar no meio da noite, aproveitando o sono do equilíbrio.

Acordei cedo, hoje é domingo e o sol ainda não assumiu seu posto, o céu ainda está na penumbra. Permito-me ficar na cama de preguiça. Não devo nada à patrulha da cidade, conheci museus, igrejas, perambulei pelas ruas, experimentei vários restaurantes. Hoje, eu posso deixar meu passeio de despedida para mais tarde.

Tenho alguns biscoitos que comprei ontem, durante meu passeio em Montmartre e eles ajudam a passar a primeira fome do dia. Aprendi a me familiarizar com alguns programas e algumas propagandas da TV. Não é mais tão estranho assisti-la.

Eu cochilei, não sei por quanto tempo, quando a patrulha da cidade bateu na minha porta. Pelo menos foi o que eu pensei quando acordei sobressaltada com o barulho. Corri de pijama mesmo para abrir a porta e Alec, esbaforido, me avisou, falando pausadamente para não haver dúvidas, que Lucas estava lá embaixo.

Disse para pedir que ele esperasse, porque eu já ia descer. Meu leal ajudante balançou efusivamente a cabeça para cima e para baixo, deixando claro que o recado tinha sido entendido e já se virou para descer as escadas. Eu me arrumei, mas não muito. Precisava saber logo o que ele queria comigo, naquela manhã de domingo, depois de eu achar que ele já estava no Brasil. Será que alguém podia me dizer a verdade sobre a sua data de retorno ao Brasil?! Custava muito?

Cheguei lá embaixo com uma cara preocupada, embora as minhas olheiras habituais estivesses devidamente cobertas com uma pá de corretivo, cada uma, of course

Quando me viu, ele sorriu e me desarmou. Mesmo sem querer, acabei sorrindo também.

Alice na Paris das cinco noites - Parte 30



Depois de caminhar bastante, escolhi um bistrô bem charmoso para o meu último jantar na cidade. Escolho uma mesa no salão, não pelo frio, pois adoraria ficar na calçada acompanhando o vai-e-vem, mas pelos fumantes que se aglomeram lá fora.

Aqui, não há estranhamento no fato de uma pessoa jantar sozinha. Os garçons me servem sem olhares estranhos e eu posso relaxar. Saboreio o vinho e adoro a massa que escolhi. Fecho a noite com a melhor sobremesa que já comi: profiteroles fartamente recheados e cobertos com chocolate. Alcanço a calçada com um suspiro e me pergunto em que condições eu voltarei na cidade. Depois dessa, posso voltar de lua-de-mel, com amigas ou sozinha. Vou aproveitar de qualquer jeito.

Cada passo é carregado de despedida. Mais do que meu destino turístico, Paris foi testemunha da minha história. Cúmplice das minhas decisões e amiga acolhedora nos momentos de dor. Vou sentir falta da sua companhia quando voltar para casa.

Chego ao hotel e meu amiguinho vem me receber. Finalmente podemos conversar. Descubro que seu nome é Alec e que trabalha lá há pouco mais de um ano. Nasceu e se criou em Paris e adora conhecer gente diferente, por isso é tão feliz naquela recepção. Ele me entrega orgulhoso uma caixa com um pedaço do bolo de amêndoas que comi na boulangerie no primeiro dia de viagem. Junto estava um bilhete de Tulio se despedindo e dizendo que espera que minha vida seja doce como aquele pequeno mimo. A esta altura, ele já está na Toscana com a sua família de cinema, comemorando o aniversário de sua avó. Lindo, até o fim.

Conto para Alec sobre o encontro e ele vibra com a história de eu ter passado a noite com ele. Ele já não é um estranho, é um precioso aliado, ajudou muito quando precisei. Lemos juntos o bilhete e não acreditamos na minha sorte. Despeço-me marcando futuros encontros lá mesmo ou no Brasil e vou para meu quarto.

A bateria do celular já descarregou e eu deixo para carregar depois. Não preciso de contato com ninguém nesse momento. 

O bolo está delicioso como na primeira vez. Saboreio cada pedaço lembrando do nosso piquenique. Ainda bem que tirei algumas fotos naquele gramado com Tulio. Caso contrário, seria difícil convencer minhas amigas de que aquilo havia acontecido.

Arrumo as minhas malas e toda a leveza e tranquilidade que me acompanharam à tarde, se vão: acabo de me lembrar que vou viajar de volta para o Brasil com Jhonny.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Alice na Paris das cinco noites - Parte 29



Foi difícil convencer Jhonny a ir embora. Ele ainda argumentou e tentou me provar que eu estava sendo inflexível. Chegou um momento em que troquei um olhar cúmplice com meu amigo da recepção, dei as costas e me dirigi ao elevador. Como fariam para colocar Jhonny para fora, não me interessava. Agora, eu era como os parisienses:, ele não era mais problema meu.

Subi para o quarto, liguei a TV. Tirei o vestido, abri o chuveiro. Saí do banho, coloquei meu pijama, tomei uma taça de vinho e me deitei. Fiz tudo no automático. Acordei uma hora depois, e então me permiti pensar sobre o assunto. Foram dias muito especiais. A dor intensa dos primeiros dias deu lugar a um sentimento novo, que eu não conhecia: a curiosidade. A vontade de viver coisas novas. Pude perceber que há um mundo novo e maravilhoso fora das relações e das situações que pensei para mim. Permitir-se descobrir e arriscar pode trazer frutos maravilhosos. Ficar aqui sozinha foi uma medida bem radical para mim. Mas situações extremas, pedem medidas extremas e eu não me arrependi.

O fato de Jhonny ter ido embora de Paris com uma estranha foi um golpe muito duro. Sinto um frio no peito quando penso que ele foi capaz disso. Mas também preciso reconhecer que essa relação não tinha mais para onde seguir. Eu preciso de carinho, respeito e companhia de uma forma que Jhonny não pode me oferecer. Isso me deixava frustrada. E a ele também. Hoje eu não posso, mas já consigo prever que vou perdoá-lo mais adiante. Ele fez uma besteira, das grandes. Mas antes disso, nós estávamos fazendo uma grande besteira tentando ficar juntos.

A patrulha da cidade trabalha 24h por dia. Acho bom me arrumar e sair. A cidade chama. De novo.

Recebo o vento frio com a cabeça erguida para o céu, os olhos fechados, inspirando fundo. Colocar o corpo para fora da porta do hotel virou um ritual para despertar. Vou sentir falta disso.

Decido seguir o rio e apreciar suas margens. Preciso assentar todas as novas idéias que me surgiram na última hora, não posso deixar que elas me escapem. A linha que me separa do agora para uma crise de choro e consumo compulsivo de doces é muito fina, eu sei disso. 

Hoje a cidade está particularmente linda. Ela se despede de mim e eu dela. É nossa última noite juntas neste primeiro encontro. Paris costuma ser inesquecível para quem a vê pela primeira vez. Para mim, não será diferente. Será mais especial.

Debruço-me no peitoral erguido na calçada, acompanho os barcos passando lotados de turistas. Escuto o barulho das águas, a conversa animada de duas meninas e o latidos dos cachorros que se encontraram em seus passeios noturnos. Parece estranho, mas a cidade também é feita de coisas banais, cotidianas.

Minha bolsa vibra insistentemente. Nas primeiras vezes, conferi o visor do celular para ver que se tratava de Jhonny. Agora, nem olho mais. Caminho olhando o horizonte, sem pressa. Afinal, não há ninguém me esperando voltar para o hotel e isso continua sendo muito bom.